quinta-feira, 27 de dezembro de 2012

Vigésimo sexto dia, quarto mês, ano 2009 – Sete da noite e alguns minutos mais.


Carmina me encara, fumando um Marlboro vermelho. – Vai dar pr’aquele velho de novo? – Ela me pergunta e solta a fumaça, observando-a subir. Dou de ombros. A verdade é que se eu vou ou não dar o cu pro velho rico tarado, o problema é meu. – Foi ele quem tirou sua virgindade anal? – Dou de ombros novamente, tragando do cigarro que ela me oferecera minutos antes e eu só acendi agora pouco. A verdade é, novamente, que se perdi ou não a virgindade anal pro velho rico tarado, o problema é meu. – O turno só começa em cinco horas, vamos mudar de assunto, tá? – Ela me olha fundo, me perfura. – Tá largando a heroína, finalmente? – Pergunta, vestindo aquele sorriso de puta mal-comida. – Tô. – Resposta seca e trêmula, como meus últimos dois dias... Não estou conseguindo viver sem o cigarro e a maconha, porque a dor percorre o corpo inteiro, sabe? Eu tremo. Eu tremo demais. – Isso é bom. Isa? – Desvio o olhar. Ainda não quero falar de Isa. E não vou querer tão cedo. – Teve notícias do Alex? – Volto a encarar Carmina, esperando uma resposta. – Não. – Ela é breve. – Não quero falar de Alex. – Acho que Carmina sempre teve uma queda por ele... – Você sabe, ele é um merda. Sabe, não sabe? – Agora ela quem dá de ombros. – Gosto dele. Meu afilhado nas ruas. – Encaro-a, sinto meus dentes trincarem. – Também sou. – Ela consente, sorrindo. Aproxima-se, acariciando meus cabelos. – Eu o odeio... – Ela prende a respiração. – Não. Não o odeio mais. Eu o odiei. Agora não sinto nada. – Sinto-a abafada. Encaro-a. Ela deixa escorrer uma lágrima. Trago mais do cigarro, solto a fumaça. – Amanhã é meu aniversário... – Eu não sabia disso, sorrio para ela. – Quantos anos? Vinte? – Ela ri. – Vou fazer trinta e dois... Já tenho uma boa quantia, sabia? – Ela me olha, de lado. – Acho que mais um mês e consigo sair das ruas. – Ninguém nunca tocou no dinheiro de Carmina, mesmo em grandes necessidades. Todos torcemos por ela. – Mas acho que não vou. – Eu a fito, perplexo. Era algo que ela sempre quis, sabe? – Ani me contou o plano... E eu também sou revolucionária. – Eu rio, trago novamente, jogo o filtro fora, pego outro cigarro, acendo. – Isso é brincadeira de criança. – Ela me abraça de lado, tragando seu cigarro e repetindo meus gestos de agora pouco. – É, verdade... Mas vale a pena. – Estou leve, mas dolorido... Carmina se afasta, sentando num banco. A rodoviária está cheia. Fim de expediente. Nossa noite mal começou.