Carmina me encara, fumando um Marlboro
vermelho. – Vai dar pr’aquele velho de novo? – Ela me pergunta e solta a
fumaça, observando-a subir. Dou de ombros. A verdade é que se eu vou ou não dar
o cu pro velho rico tarado, o problema é meu. – Foi ele quem tirou sua
virgindade anal? – Dou de ombros novamente, tragando do cigarro que ela me
oferecera minutos antes e eu só acendi agora pouco. A verdade é, novamente, que
se perdi ou não a virgindade anal pro velho rico tarado, o problema é meu. – O
turno só começa em cinco horas, vamos mudar de assunto, tá? – Ela me olha
fundo, me perfura. – Tá largando a heroína, finalmente? – Pergunta, vestindo
aquele sorriso de puta mal-comida. – Tô. – Resposta seca e trêmula, como meus
últimos dois dias... Não estou conseguindo viver sem o cigarro e a maconha, porque
a dor percorre o corpo inteiro, sabe? Eu tremo. Eu tremo demais. – Isso é bom.
Isa? – Desvio o olhar. Ainda não quero falar de Isa. E não vou querer tão cedo.
– Teve notícias do Alex? – Volto a encarar Carmina, esperando uma resposta. –
Não. – Ela é breve. – Não quero falar de Alex. – Acho que Carmina sempre teve
uma queda por ele... – Você sabe, ele é um merda. Sabe, não sabe? – Agora ela
quem dá de ombros. – Gosto dele. Meu afilhado nas ruas. – Encaro-a, sinto meus
dentes trincarem. – Também sou. – Ela consente, sorrindo. Aproxima-se,
acariciando meus cabelos. – Eu o odeio... – Ela prende a respiração. – Não. Não
o odeio mais. Eu o odiei. Agora não sinto nada. – Sinto-a abafada. Encaro-a.
Ela deixa escorrer uma lágrima. Trago mais do cigarro, solto a fumaça. – Amanhã
é meu aniversário... – Eu não sabia disso, sorrio para ela. – Quantos anos?
Vinte? – Ela ri. – Vou fazer trinta e dois... Já tenho uma boa quantia, sabia?
– Ela me olha, de lado. – Acho que mais um mês e consigo sair das ruas. –
Ninguém nunca tocou no dinheiro de Carmina, mesmo em grandes necessidades.
Todos torcemos por ela. – Mas acho que não vou. – Eu a fito, perplexo. Era algo
que ela sempre quis, sabe? – Ani me contou o plano... E eu também sou
revolucionária. – Eu rio, trago novamente, jogo o filtro fora, pego outro
cigarro, acendo. – Isso é brincadeira de criança. – Ela me abraça de lado,
tragando seu cigarro e repetindo meus gestos de agora pouco. – É, verdade...
Mas vale a pena. – Estou leve, mas dolorido... Carmina se afasta, sentando num
banco. A rodoviária está cheia. Fim de expediente. Nossa noite mal começou.